domingo, 29 de junho de 2014

Garota Interrompida - Susanna Kaysen



Garota interrompida narra o período de internação de uma adolescente de 18 anos, chamada Susanna, em uma clínica psiquiátrica. Após uma tentativa de suicídio e de um crescente desgosto pela vida, a menina se interna voluntariamente, onde permanece por 2 anos. A história é verídica e contada a partir do ponto de vista da própria autora, mas ao longo da narrativa foram anexadas fichas e relatórios médicos analisando a evolução da paciente.


A primeira parte do livro trata da experiência de Susanna no hospital, como eram as instalações, as outras pacientes, as enfermeiras, sua rotina, suas crises e os motivos que a levaram a estar ali. A segunda parte, trata da sua vida após o diagnóstico e da alta, sua análise sobre a loucura e o peso que essa sombra do passado causam em seus dias atuais.

Muitos de vocês podem ter visto o filme que tem Angelina Jolie no papel de Lisa e Winona Ryder no papel de Susanna. Pelo pouco que me lembro do filme, acho que é bem diferente do livro.



Comentários

Minha análise sobre a obra é que ela é mediana. Não é um livro difícil de ler e o tema é interessante. Entretanto, é uma narrativa simples, sem grandes surpresas. Eu imaginei que fosse ser muito mais marcante e dramático, mas na verdade a leitura é bem leve. Eu li em 4 dias, parte no celular, parte no pc e foi bem tranquilo. Penso, que por ser tão honesto como retrato da realidade, ele não pôde ser mais. Porque a vida da gente é assim mesmo, quando colocada cruamente em palavras, não soa grande coisa. Ou então a autora não soube trabalhar bem todo o potencial e força da sua história pessoal.

Mas, curiosamente, o livro começa a ficar mais interessante do meio para o final, ou seja, após a saída de Susanna da clínica. É o momento onde a narração cede espaço ao fluxo de pensamento, e em que a autora debate a questão da loucura, da psicanálise, do preconceito. É nessa hora que ela suscita algumas perguntas: o que de fato é a loucura? Tem cura? Eu posso ser tida como louca em algum momento? Até onde vai o poder da ciência para diagnosticar ou curar alguém? Qual a diferença entre cerébro e mente?

Eu terminei o livro bem contente e pensativa. O que me deixou feliz. Aliais, ao contrário do que possa parecer o livro não é triste. Até porque as personagem são bem descontraídas e irônicas. Eu recomendaria a leitura para as férias, ou para uma viagem chata para a casa do tio-avô. Sabe, aqueles momentos em que você tem tempo de sobra e espaço para pensar e disponibilidade para sorrir sem ninguém por perto.

O mais importante é que yeah! Meu readers block está passando. Já estou ingressando em outro livro do Machado de Assis. Depois conto para vocês como foi!





Trechos

   O que éramos, afinal, que todos sabiam tão depressa e tão bem? 
   Provavelmente éramos melhores do que antes de ir para o hospital. No mínimo estávamos mais velhas e mais conscientes de nós mesmas. Depois de passar anos internadas, gritando e causando problemas, muitas de nós já estavam prontas para outras coisas. Embora à nossa revelia, todas havíamos aprendido a dar valor à liberdade e faríamos qualquer coisa para conquistá-la e preservá-la. 
   A questão era a seguinte: o que podíamos fazer? Podíamos pular da cama toda manhã, tomar uma chuveirada, vestir a roupa e ir trabalhar? Podíamos raciocinar direito? Podíamos deixar de dizer qualquer maluquice que nos desse na telha? 
Algumas podiam; outras, não. Aos olhos do mundo, porém, todas estávamos estigmatizadas.    A repulsa sempre tem um quê de fascinação. Será que isso poderia acontecer comigo? Quanto menos provável essa coisa terrível, menos nos assusta contemplá-la ou imaginá-la. Uma pessoa que não fala sozinha, nem fica com o olhar esgazeado, assusta menos, portanto, que quem o faz. As que se comportam “normalmente” suscitam uma pergunta incômoda: “Qual é a diferença entre aquela pessoa e eu?”, que leva à questão: “O que me impede de estar no hospício?”. Isso explica a utilidade do estigma. 
Algumas pessoas se assustam mais do que outras. 
   “Você passou quase dois anos em um hospício! Por que diabos foi parar lá? Não acredito!”. Tradução: se você é louca, eu também sou; e, como não sou, deve ter havido algum equívoco.    “Você passou quase dois anos em um hospício? Qual era o seu problema?”. Tradução: preciso saber dos detalhes da sua loucura para ter certeza de que não
sou louco. 
   “Você passou quase dois anos em um hospício? Hummm. E quando foi isso?”. Tradução: você ainda é contagiosa? 
    Parei de contar às pessoas. Não havia vantagem nenhuma em contar. Quanto mais tempo eu passava sem dizer alguma coisa sobre aquilo, mais aquilo se afastava, e o meu eu hospitalizado se transformava em um minúsculo borrão, enquanto meu eu que não falava nisso se tornava grande, forte e vivo. 
   Também dei para sentir repulsa. Gente louca? Eu tinha um bom faro e não queria contato com elas. Ainda não quero. Não consigo pensar em respostas reconfortantes diante das perguntas terríveis que elas suscitam. 
   Não me perguntem sobre essas perguntas! Não me perguntem o que a vida significa ou como vemos a realidade ou por que temos de sofrer tanto. Não falem do quanto tudo parece irreal, de como tudo parece revestido de uma gelatina que brilha feito óleo ao sol. Não quero saber do tigre no canto da sala nem do Anjo da Morte, ou dos telefonemas de São João Batista. Talvez ele resolva ligar para mim também, mas não vou atender o telefone. 
   Se eu, que antes era repulsiva, agora estou assim tão longe da minha loucura, quão longe não estarão vocês, que nunca foram repulsivos, e que profundezas não terá alcançado a sua repulsa?

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Agora, entretanto, o problema é com as leis antitabagistas. O problema passou a ser “discriminação tabagística”. Esse foi um dos motivos que me levaram a ser escritora: poder fumar em paz.
— Escrever – respondi, quando minha assistente social perguntou o que eu pretendia fazer depois de sair do hospital.
— Vou ser escritora.
— É um ótimo passatempo, mas como é que você vai se sustentar?
Minha assistente social e eu não simpatizávamos uma com a outra. Eu não gostava dela porque ela não entendia que eu era assim; e que ia ser escritora, e não uma datilógrafa de contas semestrais, nem uma vendedora de tigelas para gratinado ou uma idiotice desse tipo. Ela não gostava de mim porque eu era arrogante, pouco cooperativa e ainda por cima louca, provavelmente, pois insistia em ser escritora.
— Protética – disse ela.
— Seria perfeito. O curso é de apenas um ano. Tenho certeza de que você conseguiria lidar com as responsabilidades.
— Você não entende – falei.
— Não, você é que não entende – ela disse.
— Detesto dentistas.
— É um trabalho ótimo, limpo. Você precisa ser realista.
— Valerie, ela quer que eu seja protética – eu disse, de volta ao pavilhão.
— Isso é impossível.
— É mesmo? – Pelo jeito, Valerie também não entendia.
— Nada mal. Um trabalho ótimo, limpo.
Por sorte, recebi um pedido de casamento e eles me deram alta. Em 1968, todo mundo entendia um pedido de casamento.

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— Recebi um pedido de casamento – respondi. Da segunda vez que tive de repetir, fiquei mais espantada.
— Para ele – explicou Georgina. — O que foi que você disse para ele?
— Disse que sim – falei.
(...)

— Vocês se casam. E aí, acontece o quê?
— Não sei – respondi. — Não tinha pensado nisso.
— É bom pensar – disse Lisa.
Tentei pensar. Fechei os olhos e pensei em nós dois na cozinha, picando e mexendo as panelas. Pensei no enterro do meu amigo. Pensei em idas ao cinema.
— Nada – eu disse. — É tranquilo. É como... sei lá. É como despencar de um penhasco. – Soltei uma risada.
— Acho que quando eu me casar, minha vida vai parar, pura e simplesmente.
Não parou. Também não foi tranquila. No fim, eu o perdi. Fiz de propósito, como quando Garance perdeu Baptiste no meio da multidão. Achei que precisava ficar sozinha. Queria seguir sozinha em direção ao meu futuro.

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NÃO IMPORTA O NOME QUE LHE DAMOS – mente, personalidade, alma –, gostamos de pensar que possuímos uma coisa maior do que a soma dos nossos neurônios, uma coisa que nos “anima”.
Vai-se descobrindo, porém, que boa parte da mente é, na verdade, cérebro. Uma lembrança é um processo específico de mudanças celulares em pontos específicos da cabeça. Um estado de espírito é uma conjunção de neurotransmissores. Acetilcolina demais, serotonina de menos, e você entra em depressão. Sendo assim, o que resta da mente? Há uma longa distância entre não ter serotonina suficiente e pensar que o mundo é “sem graça, chato e inútil”; e uma distância ainda maior até escrever uma peça sobre um homem obcecado por esse pensamento. Isso deixa bastante lugar para a mente. Algo está interpretando os ruídos da atividade neurológica.
Entretanto, esse intérprete será, necessariamente, metafísico e incorpóreo? Não será provavelmente certo número – enorme número – de funções cerebrais, que ocorrem paralelamente? Se toda a rede de ações minúsculas que constituem um pensamento fosse identificada e mapeada, a “mente” então se tornaria visível.
O intérprete está convicto de que a mente não pode ser mapeada, nem vista. “Sua mente sou eu”, afirma. “Você não pode me analisar em dendritos e sinapses.” Não lhe faltam argumentos e razões. “Você está um pouco deprimida, por causa do trabalho estressante”, diz (mas nunca “você está um pouco deprimida porque seu nível de serotonina baixou”).
Às vezes, suas interpretações não são plausíveis. Quando você corta o dedo e ele grita: “Você vai morrer!”, por exemplo. Outras vezes, seus argumentos são duvidosos. Quando diz, por exemplo, que “25 biscoitos de chocolate seriam um jantar perfeito”.
Muitas vezes, portanto, ele não sabe do que está falando. E quando você conclui que está errada, quem ou o quê é que chega a essa conclusão? Outro intérprete, superior?
Por que só dois? Eis o problema desse modelo. Ele é infinito. Cada intérprete precisaria de um chefe a quem prestar contas.
Alguma coisa nesse modelo, contudo, representa a essência de como vivenciamos a consciência. Existe o pensar e, além dele, existe o pensar o pensamento; e essas duas coisas são sentidas de maneiras diferentes. Cada uma deve refletir aspectos bem diferentes da atividade cerebral. Acontece que o cérebro conversa consigo mesmo e, enquanto conversa, vai alterando sua percepção.
  
No instante em que o médico sugere Amplictil, o que acontece com o mapa mental que ele traçou para a doença mental? Antes, no começo do dia, o médico tinha um mapa dividido em superego, ego e id, com uma porção de linhas sinuosas, talvez interrompidas, que unem essas três regiões. O médico estava tratando de uma coisa à qual dava o nome de psique ou mente. Aí, de repente, ele se dispõe a tratar de um cérebro. Esse cérebro não tem a mesma forma da
psique, ou, se tem, não é nela que reside o problema. Os problemas desse cérebro são de natureza química e elétrica. “É a função de verificação da realidade”, diz o médico. “Esse cérebro está fora de sintonia com a realidade e por isso não posso analisá-lo. Aqueles outros cérebros – aquelas mentes – não estavam.” Há algo de errado nisso. Não podemos chamar uma fruta de maçã na hora da fome e de dente-de-leão na hora do fastio. Quaisquer que sejam nossas intenções a seu respeito, ela continua sendo a mesma fruta. Como defender uma posição
Em parte, já bateram em retirada. Depressão, mania, esquizofrenia: tudo isso, que eles achavam tão difícil de tratar, agora é tratado quimicamente. Tome dois Lithium e não me telefone amanhã de manhã, pois não há nada a dizer: é inato. Certo esforço de cooperação – igual ao que o cérebro costuma fazer – seria útil nessa questão. Há quase um século os psicanalistas escrevem editoriais sobre o funcionamento de um país que nunca visitaram, um lugar tão inacessível quanto a China. De repente, esse país abre as suas fronteiras e ele se enche de correspondentes estrangeiros. Dez vezes por semana, os neurobiólogos publicam dez artigos cheios de dados novos. Entretanto, parece que um grupo não lê os trabalhos do outro. Isso porque os analistas escrevem sobre um país que chamam de Mente, enquanto os neurocientistas informam sobre um país chamado Cérebro

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