domingo, 17 de fevereiro de 2013

Carnaval 2013: Gracyanne e o mito da fragilidade


      Para além da minha opinião sobre beleza física das mulheres eu não pude deixar de achar graça em todo esse rebuliço por causa do corpo da Gracyanne. Centenas de homens e mulheres fazendo comentários sobre tamanha modificação corporal e postando fotos comparando-a ao Hulk. Pois bem, a graça consiste no fato de ninguém apontar as dezenas de outras “modificações corporais” as quais as mulheres se sujeitam para estar na Sapucaí: implante de silicone, implante de bumbum, lipoaspiração, dieta extrema, malhação pesada, tratamentos dermatológicos, tratamentos estéticos, operações cirúrgicas leves, médias e/ou pesadas, etc, etc...

    
    Esse tipo de intervenção corporal não é discutida ou rechaçada, pois o seu objetivo é deixar a mulher mais “feminina”. Logo, não importa o nível de sacrifício, dor ou risco para saúde, porque o objetivo é se tornar a mulher perfeita. Ainda que se morra tentando. Contudo, uma mulher buscar um corpo musculoso (ainda que isso não signifique perda de saúde) não pode! Imagina se a moda pega e toda mulher decide ficar forte daquele jeito? Porque a comparação feita foi com o “Hulk” sabe, aquele símbolo de poder e força que pode ser associado positivamente aos homens, mas para as mulheres vira apenas uma ilustrativa chacota. Porque força física e poder é algo que não-nos-pertence. É um afronte social. Além do mais a bunda dela estava estranha, aí mesmo que estamos bem embasados para repudiar seu corpo não-perfeito, a despeito do esforço de horas na academia para atingir aqueles músculos. Pode jogar tudo no lixo Gracy, o esforço não valeu a pena...

   Isso imediatamente me lembrou duas pessoas. Uma foi o Iggy Pop em uma frase que ele diz “Não tenho vergonha de me vestir como uma mulher, porque não acho vergonhoso ser uma mulher.” Ao meu ver, os homens que comparam a Gracyanne à um homem, acham vergonhoso ser homem, e ponto. 

A segunda pessoa é a Collete Dowling em vários trechos do seu livro “O mito da fragilidade”, os quais são bons para fazer pensar sobre todo esse patrulhamento em relação ao corpo feminino.


  Esporte é masculino. Músculo é masculino. Poder é masculino. E à medida que a mística do poder masculino é lentamente esvaziada, como um balão furado, os homens acham que algo lhes está sendo tomado. Pensam que algo está inegavelmente, correndo risco, que alguma coisa profundamente antinatural está acontecendo, e que estão à mercê de algum enorme e poderoso mecanismo contaminado pela injustiça – injustiça contra eles.     [pg190]

  O mito da fragilidade não se refere apenas à exclusão da mulher do “mundo do esporte”, à “negação de permissão para competir” ou mesmo a condição de vítimas de discriminação, mas ao fato de ela ser realmente impedida de usar o corpo – e isso por uma boa razão. Quando fisicamente debilitada, ela se torna social e politicamente fraca. Não é tanto que o homem queira que ela seja frágil e fisicamente inapta e, sem dúvida, há homens que sequer desejariam isso. O que eles querem, simplesmente, é continuar a tomar as grandes decisões  e isso é mais fácil de conseguir quando o outro – a outra raça ou o outro sexo – é economicamente enfraquecido, intelectualmente debilitado, fisicamente rebaixado ou, idealmente, todas as três coisas.
  No último século, graças a uma intensa luta, a mulher conseguiu livrar-se dos dois primeiros estados de fraqueza. Agora, está conseguindo libertar-se do terceiro. O homem, na verdade, está muito preocupado vendo-a abandonar o estado anterior de debilidade e obter poder físico, que é o poder final de que ela necessita – o poder que selará igualdade. Por essa razão, a sociedade fez, e faz, um grande esforço para controlar o desenvolvimento físico de menina e mulheres e mantê-las fora do  jogo – um jogo que é muito mais importante do que apenas o jogo do esporte. [Pg198]

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