quinta-feira, 29 de março de 2012

Quando o conto-de-fadas termina, a vida real começa.


Passeando pelo 9gag.com, para minha dose de gargalhada semanal, me deparo com um post com essa foto aí ao lado com o título "When the fairy tales ends, real life begins...". Ao primeiro momento me fez rir, mas como sempre após alguns segundos, me deu em que pensar. Sempre fui da opinião de que apresentar o mundo dos contos-de-fadas Disney para as crianças é uma maldade, principalmente para as meninas. Apesar da infância ser uma época lúdica, em que a vida deve ter uma toada leve e divertida, deve-se tomar cuidado com a linha tênue entre a fantasia e a enganação. Estudos confirmam que meninas que crescem acreditando em cavalo branco, príncipe encantado, finais felizes e maças envenenadas tem o dobro de chances de se ferir no amor.

Brincadeiras à parte, sei que todas nós crescemos e aprendemos com a vida, sei que não iremos acreditar em príncipes encantados para sempre, mas você não acha que um resquício sempre fica? A gente sempre quer que o nosso namorado/marido/rolo seja um pouquinho mais romântico, forte e corajoso e vivemos preocupadas se o nosso final com eles será de fato feliz (e não apenas final!).

Posso dizer que fiquei feliz quando lançaram Shrek - muito embora eu saiba que ele está mais voltado para os adultos - porque desmistifica uma série de estereótipos que são chatos a beça na vida real. Os filmes do casal Fiona e Sherk demonstram que você não precisa ser uma princesa perfeitamente delicada de cabelos louros-reluzentes e tão doce quanto 1kg de açúcar; que seu namorado não precisa vir com o kit 'armadura + cavalo branco + cabelos louros-reluzentes'; que o início, o meio e o fim da história de vocês não precisa ser romance o tempo todo; e que sim, nenhum dos dois é perfeito, mas o amor é possível de qualquer maneira.

Pessoalmente eu pretendo evitar que os meus futuros filhos assistiam essa baboseira infantil que passa no cinema e na TV. Não só pelos motivos supra-citados, mas por muitos outros. Primeiro porque pretendo deixá-los brincar muito na rua, além de enche-los de livros, antes de os colocar em frente a TV, segundo porque não quero inseri-los no sonho americano (porque a Globo adora encher o período da manhã com seriados como Hannah Montana???), terceiro porque o mundo Disney não passa de um produto comercial com uma forte publicidade infantil (sobre a qual a Vanessa Anacleto do blog Fio de Ariadne fez um post
muito legal); e eu poderia acrescentar muitos outros motivos.

Que fique claro que eu não tenho nada contra as pessoas que gostam da Disney, nem contra os pais que deixam seus filhos lerem, assistirem e comprarem os produtos, tanto porque eu sei que é impossível impedir o acesso das crianças à isso. Queria só registrar minha indignação quanto à produção do conteúdo infantil no nosso país e no mundo, e isso inclui Hello Kitchen, Backyardigans, Barbies, etc..etc... A infância é um momento tão lúdico e tão gostoso, em que o caráter, a personalidade e a opinião ainda estão em formação. Portanto, acredito que a programação da TV, os filmes, e tudo mais relacionado ao mundo infantil deveria ser muito educativo, bem-pensado e criativo. Mas não é o que se vê. Eu assisti muito Teletubbies, Lessie e Pokémon na infância e posso te dizer que aprendi muito mais com o Lego, pulando elástico na rua e assistindo Castelo Rá-tim-bum. E tenho dito.

Carlos Drummond de Andrade


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terça-feira, 6 de março de 2012

William Saroyan

Como vai? – disse Spangler, lembrando-se do rapaz. – Pensei que há muito você tivesse ido de volta para sua casa em Pensilvânia. Sua mãe mandou-lhe o dinheiro. Não  precisa voltar para me pagar.
- Não voltei para lhe pagar – disse o rapaz. – Voltei para arranjar mais, e não vim implorar. – Tossiu.  – Vim tirá-lo.
- Que é que há com você? – disse Spangler.
- É isto que há comigo – disse o rapaz.
Tirou um revólver do bolso direito o paletó e segurou-o na mão trêmula. Thomas Spangler, ainda um pouco bêbado e feliz, não podia compreender.
- Vamos – disse o rapaz. – Dê-me o dinheiro.... todo o dinheiro que tiver nesse lugar. Todo o mundo está se matando e não me incomodarei se tiver de matá-lo. E não me incomodarei se me matarem. Estou excitado e não quero nenhuma complicação, mas, se você não me der o dinheiro, agora, atirarei. Dê-me o dinheiro, e depressa.
Spangler abriu a gaveta da caixa e tirou o dinheiro dos diversos compartimentos. Colocou o dinheiro – notas, rolos de moedas e moedas esparsas – no balcão, diante o rapaz.
- Eu lhe daria o dinheiro, de qualquer forma – disse ele – mas não porque você está me apontando uma arma. Eu lhe daria o dinheiro porque você o necessita. Tome. É todo o dinheiro que tenho. Leve-o e tome um trem e vá para casa. Volte para onde o querem. Não darei parte do roubo. Cobrirei a retirada. Há cerca de setenta e cinco dólares aqui.
Esperou que o rapaz apanhasse o dinheiro,mas o rapaz não o tocou.
- Sinceramente – disse Spangler. – Apanhe o dinheiro e vá... você precisa. Você não é um criminoso, e não está tão doente que não possa ficar bom. Sua mãe está a sua espera. Este dinheiro é um presente meu para ela. Você não será um ladrão por levá-lo. Apanhe o dinheiro, jogue fora essa arma e vá para casa. Jogue fora a arma... você se sentirá melhor.
O rapaz pôs a arma outra vez no bolso do paletó. Sobre a boca trêmula, colocou a mão que segurara a arma.
- Eu devia ir e meter um tiro na cabeça – disse ele.
- Não fale como um tolo – disse o gerente da agência telegráfica. Reuniu o dinheiro e estendeu-o para o rapaz. – Tome – disse. – É todo o dinheiro que há. Tome-o e vá para casa, só isso. Se quiser deixe a arma aqui comigo. Tome o seu dinheiro. Sim, seu... é seu, ainda que você tenha de tirar uma arma para arranjá-lo! Sei como você se sente, porque já me senti da mesma maneira. Nós todos já nos sentimos da mesma maneira. Os cemitérios e as penitenciárias estão cheios de bons rapazes americanos que têm tido má sorte e dias infelizes. Não são criminosos. Aqui – disse ele gentilmente -, tome este dinheiro. Vá para casa.
O rapaz tirou a arma do bolso e empurrou-a pelo balcão até Spangler, que  deixou cair na gaveta da caixa.
- Não sei quem você é – disse ele – mas ninguém até hoje me falou dessa maneira. Não quero a arma, e não levarei o dinheiro, e vou para casa. Vim até aqui de carona e voltarei de carona. – Tossiu um momento e disse então:
_ Não sei onde mamãe arranjou os trinta dólares. Sei que ela não os tem de sobra. Gastei algum bebendo, joguei outro tanto, e ...
- Entre aqui e sente-se disse Spangler.
Depois de um momento, o rapaz dirigiu-se à cadeira ao lado da mesa de Spangler. Spangler sentou-se na mesa.
- Que é que o está preocupando? – disse para o rapaz.

trecho de A Comédia Humana, pág 138-140







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